EDÉSIO ADORNO
Redação
Na última quarta-feira (9/7), 14 dias após ter o mandato cassado pela Câmara por 9 votos a 3, o prefeito de Aripuanã, Jonas Canarinho (PSL), ingressou com ação de anulação do ato do Legislativo na Justiça, com pedido de liminar, para tentar anular a decisão dos vereadores e retornar ao cargo. O vice-prefeito empossado, Adir Vieira, assumiu o Executivo e deu continuidade à administração pública sem percalços e sem prejuízo a população.
Na peça de defesa, a qual nossa reportagem teve acesso, Jonas Canarinho salienta que “o presente instrumento visa anular o ato administrativo eivado de nulidade do presidente da Câmara Municipal Aripuanã”, sem, no entanto, apontar quais seriam os tais atos por ele considerados como nulos.
A defesa de Jonas relata que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi criada no dia 30 de março de 2020, por meio da Resolução 016/2020, com a finalidade de apurar denúncia recebida pela Câmara Municipal. Compuseram a CPI, os vereadores Valdecy Vieira (presidente); Audison da Silva Lima (relator) e Erasmo Carlos Contadini (membro).
Áudio de Chicão
Com a matreirice de sempre, Jonas faz malabarismo dialético para tentar induzir o juízo a erro e emplacar uma tese capciosa. Algo tipo fraude intelectual. Um áudio gravado pelo cidadão Francisco Francelino Vieira, conhecido como Chicão, foi transcrito e reduzido a ata notarial. Esse documento foi juntado a peça da defesa para pretensamente provar que houve ajustamento de vontade entre os vereadores Valdecy Vieira, Audison Lima e Chicão para supostamente planejar a cassação do mandato do prefeito Jonas Canarinho.
Escreveu a defesa de Jonas:
“É fato público e notório que o autor vem sendo alvo de perseguição política com acusações infundadas e desprovidas de qualquer amparo fático ou jurídico, numa tentativa exacerbada de obter a Cassação a qualquer custo, como de fato ocorreu”. E prossegue a defesa: “Tanto é, que para Cassação do Prefeito, a margem da lei e do devido processo legal, o Vereadores efetivaram a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito CPI - Decreto nº 01/2020, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, mediante ajuste e combinação de cargos públicos, com definições prévias da forma como se daria a denúncia e todo o rito o qual culminaria com a Cassação do Prefeito, consoante áudio e Ata Notarial que segue anexo”.
Os advogados que subscrevem a petição com pedido para anular o ato da Câmara, que cassou o mandato de Jonas, informam que o áudio em questão foi gravado por Francisco Francelino Vieira (Chicão), em data anterior ao recebimento da denúncia e abertura do processo de cassação, em um ambiente onde se faziam presentes os vereadores Valdecy Vieira e Audison da Silva Lima e o próprio Chicão, que estariam “articulando plano desde o protocolo da denúncia por pessoa interposta até a cassação definitiva”.
Em outro trecho do documento consta que “Francisco (Chicão) se recusou a agir no conluio narrado no áudio e, após tomar conhecimento através da mídia local da Cassação do Prefeito, ciente das injustiças cometidas, buscou o então prefeito para apresentar o áudio, tendo comparecido ao Cartório para registrar ATA NOTARIAL de referido arquivo de mídia”.
Acrescenta ainda a peça da defesa de Jonas que “com a recusa do Sr. Francisco, verifica-se que “coincidentemente” o mesmo plano descrito no áudio foi efetivado através de outro denunciante “Paulo Rafael Fernandes”, o qual responde Processo Administrativo Disciplinar - PAD que tramita sob o nº 008/2019, (ANEXO) aberto através da Portaria n° 11.336/2019 e que está em fase final, pendente apenas a decisão do Prefeito, restando evidente a vantagem a ser percebida pelo denunciante com a Cassação do Prefeito”.
Omissão dolosa
Em sua argumentação, a defesa de Jonas diz que o áudio de Chicão foi gravado em data anterior ao recebimento da denúncia e abertura do processo de cassação. Isso é verdade, mas que data teria sido essa? Propositalmente, essa data é omitida por uma razão simples: o áudio teria sido gravado entre o final de 2018 e o início de 2019.
Portanto, há quase dois anos antes da abertura do processo de investigação, que se deu em 30 de março de 2020.
Embora existam indícios claros de edição do áudio, inclusive com a supressão de falas do próprio Chicão, seu conteúdo revela que os vereadores Valdecy e Audison estavam preocupados com os crescentes casos de suposta improbidade administrativa na gestão Canarinho. Desvio de madeiras, desaparecimento de sacas de adubo, o excesso de diárias recebidas pela 1º Dama, entre outras irregularidades. Os supostos desvios apontados pela gravação foram objetos de uma Comissão Especial de Investigação e serviram de base para atuação do Ministério Público Estadual.
A bem ver, o tal áudio não guarda a menor relação com o processo de cassação de Jonas Canarinho. Trata-se de fofoca de Whatsapp não contemporânea aos fatos apurados pela Comissão Processante. É coisa antiga, que Chicão ‘voluntaria e espontaneamente” resolveu usar para corrigir uma “injustiça” contra seu até recentemente desafeto político.
Lealdade processual
De acordo com os doutos, o princípio da lealdade processual consiste no dever de todos os sujeitos da relação processual atuar no feito de modo condizente com a moralidade, a fim de que este atinja seu objetivo: a solução da lide. Nesse sentido, o artigo 5º do novo Código de Processo Civil, apresenta a boa-fé (objetiva) processual, como princípio fundamental. “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.
Usar um áudio, repita-se: produzido há quase dois anos, como matéria de defesa em um feito, com cujo objeto não tem a menor relação, aparenta ser uma atitude, em tese, de deslealdade processual. Se Canarinho pensa que vai engrupir algum magistrado com esse argumento falacioso, receio que possa tirar seu cavalinho da chuva.
Ataque ao denunciante
Foto: Reprodução/Web
Outra tese de defesa adotada por Jonas Canarinho, segundo consta na petição, é um esforço descomunal para desmoralizar e castrar a legitimidade do servidor público, o engenheiro Paulo Rafael Fernandes, que em data de 26 de março de 2020 apresentou um conjunto de denúncias contra Canarinho na Câmara, entre elas, a que a prefeitura havia emprestado maquinários para o empreiteiro Balsanu José de Freitas realizar obras de pavimentação asfáltica no Hotel Hits, de propriedade de Cleverson Luiz Veronese.
Essa denúncia já foi apurada pelo promotor de Justiça, Carlos Frederico Régis de Campos, que em 07 de maio de 2020, ajuizou Ação por Atos de Improbidade Administrativa contra Jonas Canarinho, Cleverson Veronese e Balsanu José de Freitas. O juiz Fábio Petengil recebeu a denúncia e determinou a citação dos réus para apresentar defesa prévia.
A defesa de Jonas juntou cópia integral de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que Rafael responde, mas não afirmou que esse servidor público sempre foi alvo de perseguição por parte do prefeito cassado.
Ademais, Rafael não está sendo julgado e as denúncias por ele apresentadas na Câmara e que embasaram a cassação de Jonas, também já foram objeto de investigação pelo Ministério Público Estadual.
Conclusão
No pedido de anulação do ato de cassação de seu mandato, Jonas Canarinho não entra no mérito da causa. Alega apenas que sofre perseguição política. Sobre as dezenas de acusações de atos ímprobos que recaem sobre sua gestão, nenhuma virgula. A preocupação é em desmoralizar os membros da Comissão Processante e o autor das denúncias – engenheiro Rafael.
A estratégia é um amontoado de equívocos. As denúncias que embasaram a cassação de Jonas já passaram ou estão sob investigação no MPE. Algumas delas, inclusive, já rendeu ação por ato de improbidade administrativa. Imprestabilizar esse acervo probatório não será fácil. O áudio de Chicão é um deboche. A coisa foi gravada há quase dois anos atrás. Não tem relação alguma com o processo de cassação.