EDÉSIO ADORNO
Tangará da Serra
“Representar e assistir os seus associados, judicial e extrajudicialmente, na defesa de seus direitos e interesses profissionais, institucionais e corporativos comuns (...)”. Esse é o papel típico e primacial da associação de juízes ativos e inativos. Isso é o que consta no artigo 1º, letra b, do Estatuto da Associação Mato-grossense de Magistrados (AMAM). Tiago Abreu, a considerar as besteiras que fala, parece nunca ter lido o estatuto da entidade que comanda.
Na tarde desta quinta-feira, a AMAM divulgou uma nota à imprensa para tentar mitigar os estragos causados pelo delírio punitivo de seu presidente – o buliçoso togado Tiago Abreu, autoproclamado “sentinela responsável pela vigilância, defesa e manutenção do respeito ao poder Judiciário de Mato Grosso” -, que, em fofoca de celular, teria dito a um colega juiz do Distrito Federal que promotores de justiça supostamente envolvidos na Grampolândia seriam presos em massa.
A nota da AMAM afirma textualmente:
“A entidade reforça que está vigilante na defesa e manutenção do respeito ao Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso”. Veja a pretensão do doutor Tiago. O representante classista se comporta como porta-voz do poder Judiciário. Desse desatino salta evidente a usurpação de uma prerrogativa do desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha. Não, Tiago! Você não tem legitimidade para falar em nome da Corte de Justiça de MT, pelo menos enquanto não virar desembargador e assumir a presidência do TJ-MT.
Abusando do alarmismo que transcende os limites da hipérbole, a notinha da AMAM prevê o desmoronamento da República e de suas instituições políticas
A lacônica notinha da AMAM diz ainda que “as declarações dadas pelo juiz Tiago Abreu, sobre possíveis prisões se referem a qualquer cidadão envolvido no escândalo conhecido como Grampolândia Pantaneira”. Qualquer cidadão uma ova! No áudio transcrito pelo Correio Braziliense o alvo hipotética de prisão em massa seriam promotores de justiça, que atuam no Gaeco.
Em respeito à magistratura, ao Ministério Público, a instituição que dirige e a própria biografia, o mancebo de toga deveria adotar uma atitude menos pusilânime e se desculpar pela estultices assacadas contra honrados promotores e procuradores de justiça. Essa seria uma atitude digna, típica de um grande homem. Pena que os liliputianos não tenham essa envergadura moral.
Ah, então o togado sabe que possíveis prisões serão realizadas? Se não sabe, se não recebeu informação privilegiada, se não vazou informação que deveria ser mantida sob sigilo, então o doutor AMAM apenas excedeu em tagarelice de Whatsapp? Nessa hipótese, deve acautelar a própria língua e evitar destemperos verborrágicos.
A opaca notinha da AMAM destaca ainda que todas as vezes em que Tiago é questionado sobre o caso, suas declarações se limitam a “analisar qual seria a postura comum do Poder Judiciário”. Mais uma vez o jovem mancebo se comporta como sindicalista panfletário. Não é atribuição do dirigente da AMAM fazer análise sobre a atuação de um magistrado em caso específico. Ele não é parte na lide processual e o juízo da causa – Grampolândia – não enfrenta nenhum perrengue.
Em outro trecho da notinha, o togado diz:
“Se ficar constatada esta intempérie (qualquer extremo das condições climáticas) acredito que teremos muitas prisões e isto irá despertar uma reorganização, uma restruturação de todo o aparato que hoje é montado com a finalidade de desbaratar o crime organizado”.
Nem as parábolas biblicas do velho testamento são tão enigmáticas e de difícil interpretação como esse anacoluto da lavra de Tiago Abreu. Afora o menoscabo a sintática, que cargas d’água pretendia dizer o presidente da AMAM?
Por muitas prisões entende-se uma quantidade indeterminada de indivíduos que serão encarcerados em razão de lambanças na Grampolândia. Essas detenções, segundo premonição de Tiago, terão o condão de provocar “a restruturação do aparato encarregado de desbaratar o crime organizado”.
A Bronca Popular/Reprodução
Dilma Rousseff sofreu impeachment e as instituições públicas não experimentaram o menor abalo de ordem política ou social
O discurso metafórico não deixa dúvida: Tiago confessa a existência do áudio despachado a um juiz de Brasília, atesta a veracidade da reportagem do Correio Braziliense e, como bom vidente, reitera que o Gaeco será empurrado para o Armagedom do Apocalipse. Ou o Gaeco não é o braço estruturado, forte e ostensivo do Estado encarregado de combater o crime organizado?
O Ministério Público sempre enfrentou a fúria de mafiosos. Pelo visto, acaba de ganhar mais um desafeto.
Fala fora do eixo
Mesmo condenados pelo juízo da 11º Vara Criminal de Cuiabá, os mentores, participes e operadores da Grampolândia tem o direito de recorrer em liberdade. Finda a instrução processual penal, nem o CPP achado no Beco do Candeeiro autoriza prisão cautelar. Logo, as “muitas prisões” previstas pelo doutor Tiago não passam de delirium tremes causada por excesso de ingestão de vinho chapinha.
Abusando do alarmismo que transcende os limites da hipérbole, a notinha da AMAM prevê o desmoronamento da República e de suas instituições políticas:
“Comprovando-se tudo que vem sendo falado até o momento nas audiências pelos envolvidos no caso em questão, este será um dos maiores atentados à democracia dentro do Estado Democrático de Direito desde a sua redemocratização”. Apesar de pomposa e catastrófica, essa fala não diz absolutamente. Mero clichê desgastado pelo uso excessivo e adaptável a qualquer circunstância por quem pretende reprovar algo sem se comprometer. Pura balela!
Nossa democracia passou incólume ao impeachment de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente parido pelas urnas pós período de exceção. A turbulência das ruas fortaleceu as instituições republicanas.
A Bronca Popular/Reprodução
O primeiro presidente eleito pelo voto popular, depois do período de exceção, Fernando Collor caiu e sua queda não causou danos a República
O escândalo do Mensalão provou a solidez dos órgãos de combate e de repressão ao crime organizado.
A prisão do demiurgo Lula gerou manifestações populares mas não abalou os alicerces dos três poderes. Dilma Rousseff foi colocada pra fora do Planalto e a República se manteve firme.
A intrépida atuação da Lava Jato apenas fortaleceu o Ministério Público e o Judiciário. Nada pode abalar a democracia, a República e muito menos o Estado de Direito, enquanto princípio da legalidade estrita, absoluta e insofismável.
Ora, se nenhum dos eventos políticos e policiais relembrados foram capazes de produzir maiores consequencias, quanto ao funcionamento das instituições públicas, resta concluir que os prognósticos sinistros de Tiago Abreu não passam de alucinações ou meros devaneios masturbatórios.
O doutor Abreu precisa entender que sofismas, truques intelectuais e retóricas rastaqueras são elementos de linguagem que permeiam o discurso de políticos populistas. Não fica bem para um togado recorrer a esses ardis semânticos para desferir brutal e ignominioso ataque ao Ministério Público e aos seus membros.
Essa sandice afronta e desmoraliza, para o gáudio do crime organizado, uma das instituições imprescindíveis da República, que é o MP. Não fosse a atuação do Gaeco, Mato Grosso ainda seria a meca das organizações mafiosas. Tentar confundir o GAECO/MPE com organização criminosa é o mesmo que potencializar a narrativa dos saudosistas dos velhos tempos.