EDÉSIO ADORNO
Da Editoria de Política
“A saúde pública está na UTI”. Essa expressão já virou clichê na imprensa e nas redes sociais. Na retórica de vereadores, deputados estaduais, dirigentes partidários, ativistas políticos, senadores e deputados federais, a locução é de uso recorrente. O emprego reiterado da frase evidencia que de fato o serviço de saúde se encontra em estado de coma e respira com ajuda de aparelhos de ventilação mecânica.
Se a própria saúde se encontra na UTI, então não sobra vaga na rede conveniada pelo SUS para atender pacientes em situação de emergência.
Os prefeitos dos 141 municípios de Mato Grosso são cobrados e, as vezes, escrachados por familiares de pacientes que demandam atendimento de urgência ou se definham na longa fila de regulação do estado, a espera de vaga para realização de uma cirurgia de alta complexidade.
Tratamento à base de injeção de recursos financeiros é a receita para retirar a saúde pública da UTI. O governo Mauro Mendes (DEM) precisa socorrer os consórcios intermunicipais de saúde, devolver vida aos hospitais regionais e regularizar os repasses devidos aos municípios. É isso ou mais óbitos serão contabilizados em escala geométrica.
A situação da saúde pública é grave e pode piorar.
Se depender da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), a saúde pública será transferida da UTI para o necrotério. A elite do sindicalismo rural não depende do SUS, como também não depende de escolas públicas e seus filhos nunca serão entregues aos cuidados de creches municipais.
A entidade que representa o baronato rural lançou uma campanha na imprensa e nas redes sociais para fazer pressão contra o governo do estado. A coisa foi cognominada de “Movimento Mato Grosso Forte – quem paga imposto cobra resultados”. Nada mais falso.
A produção agropecuária destinada à exportação é isenta de impostos, por força da Lei Kandir. O Convênio 100/97 garante redução na alíquota do ICMS na aquisição de insumos utilizados na produção.
A entidade que representa o baronato rural lançou uma campanha na imprensa e nas redes sociais para fazer pressão contra o governo do estado
“De que adianta pagarmos tantos impostos se na hora de recebermos de volta o que é de direito não temos o mínimo necessário?”, indaga a Aprosoja, por meio de um vídeo que circula nas redes sociais.
Mistificação midiática e escancarado escamoteio da realidade é o truque de ilusionismo que a Aprosoja utiliza para hipnotizar Mendes e convencê-lo a canalizar toda a arrecadação do Fethab para aplicação em projetos de interesse do sindicalismo rural. Nada mais tosco!
Na peça publicitária, um locutor de voz grave passa o recado:
“Os produtores de soja e milho de Mato Grosso exigem respeito a quem trabalha e produz. Está na hora de virar a página da inércia e exigirmos a aplicação correta do dinheiro que contribuímos com Estado".
Trabalhar e produzir seria um atributo exclusivo dos produtores de soja e milho? Quem atua nos demais setores da economia do estado, a contrário sensu, seria gente que não trabalha e não produz, não gera emprego e não paga impostos? Haja petulância!
É evidente que o sindicalismo rural, assim como todo movimento representativo de segmentos da sociedade, tem o direito de apresentar sua pauta de reivindicação ao poder público. Cobrar recuperação de rodovias estaduais é um direito-dever da Aprosoja. Daí a pretender ditar regras na aplicação dos recursos do Fethab vai uma grande diferença.
Os produtores de soja e milho reclamam de suposto desvio de finalidade na aplicação dos recursos do Fethab e criticam duramente a taxação sobre o milho.
“A taxação sobre o milho veio para inviabilizar a produção e não podemos aceitar isso”, ameaça o presidente da Aprosoja, Antonio Galvan, acrescentado que “ao longo do mês vamos reunir nossos produtores, mobilizar e debater esses e outros assuntos que afetam a vida do cidadão que trabalha e produz e está cansado da inércia, até culminar no ato no dia 15 de maio"
Sem os recursos do Fethab, a saúde pública sai da UTI e vai para o necrotério. O crescente número de mortes nos corredores dos hospitais da rede pública por falta de assistência médica não causa remorso na diretoria da Aprosoja
O secretário de Estado de Fazenda Rogério Gallo já explicou que a lei do novo Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) vai corrigir distorções na arrecadação nas cadeias do agronegócio em Mato Grosso.
“Com o novo Fethab, passamos a cobrar de todas as commodities nas exportações. Era uma distorção, inclusive, que existia. O pequeno produtor que vendia aqui internamente pagava o Fethab – no caso da soja – e os grandes exportadores que faziam operação de exportação direta de Mato Grosso para os países compradores não pagavam”, disse Gallo.
A previsão da Sefaz é que a arrecadação advinha do Fethab salte de R$ 900 milhões para R$ 1,5 bilhão. O incremento da receita se deve a tributação das tradings, que também passarão a recolher o Fethab.
Destinação
Com relação à destinação dos recursos arrecadados com o Fundo, a lei estabelece que durante os anos de 2019 e 2020, 60% serão destinados às áreas da saúde, educação, segurança pública e assistência social.
Os 40% restantes, para infraestrutura.
Nos dois anos seguintes (2021/2022), o montante será dividido ao meio entre esses dois grupos.
Já a partir do quarto ano, 60% passam a ser destinados à infraestrutura. As áreas de saúde, segurança, educação e assistência social ficarão apenas com 40% da arrecadação do Fethab. Haverá, portanto, redução de 20% da receita advinda do Fethab nessas áreas.
Sem os recursos do Fethab, a saúde pública sai da UTI e vai para o necrotério. O crescente número de mortes nos corredores dos hospitais da rede pública por falta de assistência médica não causa remorso na diretoria da Aprosoja. Galvan entende que o “Mato Grosso Forte” deva priorizar apenas estradas, conceder incentivos fiscais e isenção tributária ao setor rural. Uma percepção equivocada.
O Mato Grosso Forte se constrói com a colaboração de todos.
Mato Grosso nunca será um estado forte enquanto parte de sua população estiver desempregada, sem acesso a saúde de qualidade e divorciada das salas de aula. Investir em políticas sociais de conteúdo inclusivo é tão importante quanto pavimentar as rodovias por onde passa a riqueza gerada pelo agronegócio.
Mato Grosso será forte quando essa riqueza for compartilhada com sua gente, quando as desigualdades regionais forem corrigidas e a bandeira da justiça social tremular em todos os mastros.
Mato Grosso será forte quando os servidores públicos receberem em dia seus salários, quando ninguém morrer na Capital ou nas cidades do interior por falta de leito em UTIs, quando as forças de segurança forem reequipadas e motivadas para garantir a paz social a que todos reclamam.
A Aprosoja, Famato, Ampa, Acrimat, entre outras entidades poderosas do sindicalismo rural, podem contribuir com a construção do MT Forte. Pagar impostos e não tentar direcionar sua aplicação pode ser um bom começo!
Assista o vídeo da Aprosoja: