Da Redação
Blog Edição MT
A cena é tão absurda que parece ficção sombria, mas não é. Um homem que, segundo relato das autoridades, arrastou uma mulher por mais de um quilômetro, deixando-a entre a vida e a morte, chegou à audiência de custódia reclamando ter sido “agredido” durante sua própria detenção. E, inacreditavelmente, essa narrativa foi suficiente para sensibilizar a promotora responsável, que determinou oficiar a Corregedoria da Polícia Civil para investigar — e possivelmente punir — os agentes que capturaram o agressor.
Sim, enquanto a mulher permanece hospitalizada, tendo perdido as pernas em decorrência da violência que sofreu, lutando por sobrevivência, o autor do ataque recebe um zelo quase carinhoso do sistema de justiça. Ele tem sua fala ouvida, acolhida e transformada em prioridade processual. Já a verdadeira vítima, mutilada e indefesa, não desfruta da mesma celeridade, empatia ou indignação institucional.
O contraste é revoltante. É o retrato de uma inversão total de valores, em que um criminoso brutal consegue mobilizar mais preocupação do que a mulher destruída por seus atos. É como se, numa manobra grotesca, a responsabilidade moral se invertesse: policiais que arriscaram a vida na captura agora são tratados como suspeitos, enquanto o agressor é distinguido como alguém digno de atenção especial.
Claro que toda denúncia deve ser apurada — mas desde quando o “sofrimento” de quem praticou uma barbárie ganha prioridade diante do sofrimento de quem quase foi assassinada? O sistema, nesse episódio, escancarou um desequilíbrio que beira o surreal: a vítima sangra, enquanto o agressor se queixa; a vítima perde as pernas, enquanto o agressor ganha voz; a vítima luta para viver, enquanto o agressor luta por privilégios.
Se há algo que demanda investigação urgente, não é a conduta dos policiais — é a lógica institucional que permite que um agressor receba mais sensibilidade do que a mulher que ele tentou destruir. É um alerta de que, no país, a violência contra a mulher não é apenas física: também é burocrática, institucional e, muitas vezes, legitimada pela própria estrutura que deveria protegê-la.
Uma sociedade que se comove mais com o desconforto do criminoso do que com o horror vivido pela vítima está, claramente, muito doente. E precisa olhar para isso com a seriedade que o caso exige.












