Li no final de semana passada o recém-lançado livro do articulista e pesquisador de política mato-grossense, Vinícius de Carvalho Araújo, num trago só, como uma dose de cachaça macia.
Vinicius tem sólida formação intelectual, sendo jornalista, administrador por formação quase doutor em História Política pela UFMT e funcionário público - Gestor Governamental.
O livro chamado de Meta Jogo Político, publicado pela Editora Umanos, traz belas reflexões e interpretações sobre nossa República, em especial, sobre os partidos políticos.
A obra é uma boa definição de nossa alma pérfida, até coloquei a música “Decida” de Milionário e José Rico durante a leitura para ficar mais ambientado na trama de infidelidade entre políticos e partidos no Brasil. O autor denomina esse modelo de sistema político de Democracia Quase Formal.
Em uma de suas teses, o autor afirma que em 2007, o judiciário se aliou com governo Lula, com a complacência das instituições de controle MPs Ministérios Públicos, TCs- Tribunais de Contas num verdadeiro acórdão ou manobra político-jurídica.
O objetivo era enfraquecer o poder legislativo e assumir algumas de suas competências, que são por tradição republicana do parlamento. Abrindo caminho para a chamada judicialização da política, que ao seu ver, foi facilitada pela regulamentação da Lei dos Partidos Políticos N. 9.096/1995, no ano de 2007. Explico.
A Resolução do TSE N. 22.610/2007 (Ratificada pelo STF) que tinha como objetivo acabar com a infidelidade partidária, embutiu no seu escopo um submarino, criando algumas excepcionalidades para alguns casos de troca de sigla.
Segundo o documento, não se configura infidelidade, com eventual perda de mandato as situações de mudanças e migrações motivadas pela fusão ou criação de novos partidos.
A partir dessa decisão, o PSD Partido Democrático Social, reivindicou e foi acatado pelo pleno do TSE o direito dessas novas siglas participarem do rateio do bilionário Fundo Partidário, abrindo a porteira de vez para o troca-troca de partidos.
Após a resolução as mudanças de siglas de parlamentares federais alcançaram 37% no governo Lula. Essa informação levou-me a ouvir durante a leitura, a música de Alcione “Depois do Prazer.”
Após a resolução as mudanças de siglas de parlamentares federais alcançaram 37% no governo Lula. Essa informação levou-me a ouvir durante a leitura, a música de Alcione “Depois do Prazer.”
O autor recorta dois momentos históricos do sistema partidário: o primeiro, de 1985-2007, quando havia apenas três partidos fortes, PMDB, PSDB e DEM, respaldados pela lei de partidos de 1995, que era centralizadora e com clausulas de barreiras severas; E num segundo, depois de 2007, quando foi publicado a Resolução TSE 22.610/2007 que causou uma maior proliferação de partidos.
Para o presidente Lula era interessante essa jogada para garantir a governabilidade, maioria no Congresso e para cooptar grupos mais fisiológicos de apoio nos partidos de oposição, enfraquecendo a direita.
Além do mais, essa fragmentação facilitaria as “negociações” com as bancadas da câmara, principalmente com políticos do centrão.
Na prática instituiu-se oficialmente a traição. “Dividir para governar” era a estratégia, afirma Carvalho, citando Maquiavel. Ouvindo agora Infiel de Marilia Mendonça.
O autor chama esse fenômeno de “mercado primário e secundário de formação de partidos”. Por consequência, dos 9 partidos em 1989, chegamos as 34 siglas atuais ao longo da Nova República.
Para o judiciário e demais poderes de controle externo era interessante esse enfraquecimento do legislativo, para aumentar suas competências de fiscalização, controle e mando sobre o executivo.
Em suas análises, Carvalho afirma que o judiciário assumiu a competência que era dos militares desde a Proclamação da República de “Poder Moderador” ou “Câmara Revisora”, aumentando a intervenção nos demais poderes, sob o argumento da verificação de constitucionalidade.
Com a emergência dos escândalos da operação Lava Jato e da espetacularização da corrupção, ocorreu nesse período a criminalização da política, deslegitimando ainda mais os parlamentares.
O parlamento foi perdendo status e reduzido à condição de mero negociador de emendas e cargos públicos, chamada por Vinicius de “legislativo balcanizado”.

Nos últimos 4 anos, por exemplo, quase 70% dos projetos apreciados pelo Congresso Nacional foram matérias de iniciativas do executivo. Quem não pauta, é pautado!
Diante do nítido enfraquecimento do legislativo nos últimos 10 anos, os deputados federais reagiram em 2017, aprovando uma emenda constitucional para pôr fim a pulverização partidária e tentar parar a sangria sofrida. A EC 97/17, nada mais é do que a retomada das cláusulas de desempenho que foram flexibilizadas pela resolução de 2007.
Nessa emenda aprovada, as regras para o registro de novas siglas e manutenção das já existentes tornaram-se extremamente rígidas e quase inalcançáveis.
A perspectiva é que voltemos a ter somente 9 partidos até 2024 ou um pouco mais, como era em 1995. Menos partidos, facilitará os acordos e os consensos internos na ação legislativa fortalecendo esse poder.
Entendi após essa leitura que através dessas experiências caboclas e jeitinhos de se fazer política, o Brasil vai redesenhando e deturpando conceitos e cânones clássicos das democracias modernas ao bel prazer dos interesses do clientelismo e de uma aristocracia de privilégios incrustados nos poderes da nossa “quase democracia”.
E que nesse processo, por mais que os cidadãos tenham a ilusão de ser os demandantes e conhecerem esses jogos,, estamos na verdade é na arquibancada, assistindo uma disputa entre os macro-poderes.
O livro nos faz enxergar a política de forma macro, para além da árvore que fica na nossa frente nos grupos de whatsapps, como drone sobrevoando à floresta de problemas.
Esse artigo com algumas pitadas de tempero à moda da casa foi apenas um aperitivo para os vários temas abordados no livro de Vinicius de Carvalho e um convite a leitura.
Escrever livros é um gesto de grandeza, semeadura e generosidade humana que acende a nossa luz da percepção em meio à noite escura das mentiras em que vivemos.
Suelme Fernandes é Mestre em História pela UFMT. Siga nas redes sociais.