EDÉSIO ADORNO
Da Editoria de Política
No início da década de 1980, em pleno fervor de ideias libertárias, movimentos de combate à ditadura militar sacudiam a instigavam a juventude a empunhar a bandeira de luta pela retomada da democracia.
Elis Regina emprestava sua inesquecível voz e Geraldo Vandré alertava que “quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Sua memorável canção Caminhando virou hino e apelo a coesão contra a opressão.
Foi nesse ambiente de medo, insegurança, violência, repressão, angustia e de busca por liberdade que conheci o jovem advogado e vereador de Barra do Garças, Sebastião Carlos Gomes de Carvalho, mais tarde apelidado de “Tião Bandeira”.
O moço era dono de uma verve poética e de uma eloquência formidável. Seu discurso, seus panfletos ou livretos eram eletrizantes. Mas eram vistos com ressalva e desconfiança pela irrequieta juventude, que a época acreditava que as flores poderiam vencer os canhões.
Razão existia de sobra para desconfiar dos propósitos políticos de Sebastião Carlos: ele era do Partido Popular (PP), um apêndice da Arena, que mais tarde virou PDS, o partido oficial dos militares. O PP foi fundido ao MDB em 1981, no bojo da reforma partidária realizada pelo governo de Figueiredo.
Os emedebistas autênticos não engoliram os filhotes da ditadura, egressos do extinto PP. Sebastião Carlos foi fragorosamente derrotado para deputado estadual no pleito de 1982. Quatro anos depois, Bezerra vence as eleições e conquista o governo do estado. Sebastião Carlos assume a Secretaria de Cultura, mas não esquenta a cadeira. Foi defenestrado do cargo a pedido do setor cultural.
Nesse interregno, Sebastião Carlos vira assessor jurídico da Assembleia Legislativa. Como tal, assessora os dirigentes da Casa ao longo de quase 40 anos. Embora concursado, nunca teve coragem para denunciar trambiques, falcatruas e roubos perpetrados no legislativo.
Sebastião talvez não tenha percebido o sangrar continuado dos cofres públicos ou sua preocupação com a defesa da ética, da moralidade e da lisura eleitoral ganhou corpo apenas depois de completar o tempo de serviço no legislativo e garantir uma aposentadoria de marajá de R$ 51 mil por mês. Uma conquista legal, porém imoral, promiscua.
Pois é!
Sebastião Carlos foi candidato ao senado e seu filho Carlos Rafael Demian a deputado estadual. Nenhum deles apresentou despesas de pré-campanha
Esse mesmo Sebastião, que levou a vida na flauta e a sombra do serviço público, embora sendo dono de dicção, voz e boa oratória, nunca se preocupou com o combate as mazelas políticas, nem mesmo em seu local de trabalho – Assemblei legislativa -, agora emerge da catacumba da eloquente omissão para se apresentar como paladino da moralidade e a mais puritana das criaturas.
Sebastião Carlos foi candidato ao senado e seu filho Carlos Rafael Demian a deputado estadual. Nenhum deles apresentou despesas de pré-campanha. Carlos também não cobrou despesas de pré-campanha de Favaro, Jayme Campos, Adilton Sachetti, Nilson Leitão, Procurador Mauro, Professora Maria Lúcia e de nenhum outro candidato a estadual ou federal. O justo jurista se preocupou apenas com a contabilidade eleitoral da senadora Selma Arruda.
Justiça seja feita: a Procuradoria-Regional Eleitoral (MPF) e os juízes do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) em momento algum também se dispuseram em apurar, investigar ou exigir prestação de contas de pré-campanha dos demais candidatos ao pleito de 2018. Foram rigorosos apenas contra Selma Arruda.
A juíza federal Vanessa Curti Perenha Gasques, ao acompanhar o voto tosco de Sakamoto, afirmou que Selma queimou na largada. Nada mais falso.
Na 1º Pesquisa Ibope, divulgada no 24 de agosto, os percentuais de intenção de votos eram os seguintes: 1) Jayme Campos (DEM): 34%; 2) Procurador Mauro (PSOL): 21%; 3) Nilson Leitão (PSDB): 16%; 4) Professora Maria Lúcia (PC do B): 16%; 5) Juíza Selma Arruda (PSL): 15%.
Carlos Favaro, que havia contratado o publicitário Nelson Biondi, dono da agência que fez campanha para Beto Richa (PR) e João Doria (SP), por R$ 8 milhões, amargou o 11º lugar. Ficou na lanterna com apenas 2% de aceitação.
Na 2º pesquisa do Ibope, divulgada no dia 20 de setembro, a situação da então candidata Selma Arruda se complica. Ela permanece na 5º posição. Mas perde 3 pontos. Favaro salta de míseros 2 pontinhos no gráfico para 13% e conquista a quarta posição. Um crescimento meteórico construído pela máquina publicitária de Nelson Biondi, ao peso de R$ 8 milhões.
Uma semana depois da 2º rodada de pesquisa do Ibope mostrar que Selma Arruda estava praticamente liquidada, fora do páreo, surgem as denúncias do marqueteiro Junior Brasa, de Sebastião Carlos, de setores da imprensa e de poderosas forças políticas.
Para os analistas de plantão, a juíza era um cadáver político insepulto. Como Águia, ela ressurgiu das cinzas, empurrada pela autoridade de seu nome e pela força eleitoral de Bolsonaro. Conquistou a maior votação da história de Mato Grosso. Foi eleita com quase 700 mil votos.
Sebastião Carvalho, em um artigo que depõe contra sua autoridade intelectual, insiste em dizer, sem a menor evidência, que a senadora Selma Arruda foi eleita com base no abuso do poder econômico e com dinheiro de Caixa 2. Uma blasfêmia. O autoproclamado Cavaleiro do Templo adota uma lógica própria para fustigar a metafisica dos fatos. Seu discurso é uma embromação com traços de fraude intelectual.
O doutor, humilhado na tentativa de chegar ao senado, rotulou seu rosário de asneiras com o pomposo título de “Um julgamento pedagógico”. Não refuto o título da lambança argumentativa.
De fato, a pena tem efeito pedagógico. Quando o PCC ou o CV executa algum rival, o proposito vai além da eliminação do inimigo. Na matança, vai ínsito um aviso aos recalcitrantes. Quando o judiciário manda alguém para a masmorra do presidio, um dos objetivos é passar uma mensagem de alerta a quem pretenda cometer crimes.
Quando o PCC ou o CV executa algum rival, o proposito vai além da eliminação do inimigo. Na matança, vai ínsito um aviso aos recalcitrantes
No período medieval, a Igreja fritava corpos em praças públicas com o propósito de avisar que a não observância das regras e leis eclesiásticas poderia terminar em fogueiras alimentadas com gordura humana. E quantos corpos foram queimados vivos!
Em seu artigo, Carvalho argumenta sobre uma hipotética “decisão memorável” da Corte Eleitoral. E afirma que “por unanimidade, o pleno do TRE acatou todas as teses defendidas” pela acusação e chama de substancioso o voto do desembargador relator, Pedro Sakamoto.
Mais adiante, Sebastião se vê na obrigação de passar um senão em Sakamoto, mas o faz de maneira delicada, quase sutil. “Os julgadores, de modo absolutamente correto, apenas divergiram do relator numa questão relevante. Este entendia que o terceiro colocado no pleito deveria assumir temporariamente o mandato até a realização de novas eleições”, escreveu o usufrutuário de uma aposentadoria de R$ 51 mil por mês
Agora, veja com que cinismo e desprezo a lei, o coveiro da senadora Selma se manifesta. “Só havia uma condição de aceitar tal intento: o de que esse terceiro se tornasse inelegível para a seguinte eleição”. Sebastião Carlos até concordaria com a tese defendida por Sakamoto de transformar Favaro em senador biônico, desde que o próprio Sakamoto, com o aval dos togados TRE, tornassem Favaro inelegível para o pleito subsequente. Esse absurdo jurídico dispensa comentários.
O julgamento do TRE realmente foi memorável e pedagógico. Jamais será repetido na história do judiciário de Mato Grosso. O artigo de Sebastião Carlos também tem lá sua pedagogia: ensina como tomar o tempo do leitor com besteiras, argumentos falsos e ofensivos a CF/88 e a legislação eleitoral. Sebastião Carlos não era assim. Ficou bem pior.