Da Redação
Cuiabá
O juiz da Vara Única de Aripuanã, Fábio Petengill, acolheu o parecer do Ministério Público Estadual (MPE) e indeferiu o pedido de concessão de tutela de urgência (liminar) formulado pelo prefeito cassado Jonas Canarinho (PSL) no bojo de uma ação anulatória do ato administrativo da Câmara Municipal que o ejetou do cargo de prefeito por atos de improbidade administrativa e crime de responsabilidade.
Em suas alegações, Canarinho afirmou que o processo de julgamento político administrativo desenvolvido na Câmara de Vereadores teria sido viciado em sua forma e em seu conteúdo. Argumentou ainda que foi vítima de um conluio arquitetado pelos vereadores Valdecy Vieira e Audison da Silva Lima com um tal Chicão, que teria desistido da empreitada e denunciou a “trama” por meio de um áudio e uma ata notarial.
Em um trecho do relatório do magistrado Petengil consta que Canarinho argumenta que “a decisão tomada pelos edis acha-se maculada por atos arquitetados previamente por dois dos três membros da Comissão Processante que foi responsável pela apresentação do relatório votado em sessão legislativa, pretende o requerente a concessão da medida judicial de emergência no sentido de suspender os efeitos do ato legislativo (Decreto nº 018/2020), determinando sua recondução ao cargo de Prefeito Municipal de Aripuanã/MT, e, consequentemente, restituindo-se seus direitos políticos sustados pelo édito cassatório”.
Foto: Reprodução/Web
Para concessão de tutela de urgência, Petengill explicou que o atual CPC, em seu art. 300, vale-se da expressão "elementos que evidenciem a probabilidade do direito, que substitui os requisitos do fumus boni juris e da prova inequívoca que convença o juiz da verossimilhança.
“Se a conclusão for a de que, provavelmente, o requerente não possui razão, deverá o juiz indeferir a medida postulada. Se, por outro lado, concluir que o requerente provavelmente possui razão, então deverá passar à análise do segundo requisito para a concessão da tutela de urgência cautelar ou antecipada, que vem a ser o "perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo", anotou o magistrado, com fundamento na lição do mestre Guilherme Rizzo.
Em outro trecho de sua decisão, Petengill grafou que o pedido de anulação do ato administrativo se funda na premissa de que o processo político-criminal desenvolvido na Câmara Legislativa Municipal possui vício intrínseco em sua formação e desenvolvimento.
“Os fatos denunciados e a apuração legislativa padeceriam de nulidade ab initio, porque teriam sido os vereadores que formaram a Comissão Processante os próprios artífices das denúncias apresentadas perante ao órgão legislativo, havendo indícios concretos de que já se sabia do resultado do processo desde o início de sua proposição, o que caracterizaria a Casa Legislativa em verdadeiro “tribunal de exceção” malferindo a garantia constitucional esculpida no art. 5º, XXXVII, da CR/88”.
Para descartar os argumentos lançados pelo prefeito cassado, Fábio Petengill explicou que é essencial assinalar, em primeiro plano, que a natureza jurídico-política do processo de julgamento dos mandatários de cargos políticos eletivos na estrutura do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos), é um axioma aceito por maciça parte de doutrina e jurisprudência especializadas.
O juiz corroborou seu entendimento com base em orientação jurisprudencial da lavra do ex-ministro do STF, Paulo Brossard, que em obra dedicada ao tema explicou que “o impeachment é um processo estranho ao Poder Judiciário, que começa e termina no âmbito parlamentar, por expressa disposição constitucional. Nele o Judiciário não interfere”.
“(...) o impeachment tem feição política, não se origina senão de causas políticas objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e julgado segundo critérios políticos”, acrescentou ele
“Não é cabível adotar aos processos de julgamento jurídico-político regras de imparcialidade exigidas do julgador ordinário, porque é somente nos processos norteados pelo convencimento jurídico, que a imparcialidade do Juiz se constitui desdobramento lógico da cláusula do devido processo legal”, anotou o magistrado, mais uma se valendo do entendimento majoritário da Suprema Corte.
Para demonstrar a fragilidade dos argumentos de Canarinho e rechaça-los por ausência de fundamentação jurídica e pelo evidente distanciamento de provas minimante plausíveis, o notável juiz Fábio Petengill se valeu das basilares lições de direito constitucional do ministro Edson Fachin, do STF.
[...] Com efeito, não se imagina que seja possível alcançar uma ordem jurídica justa percorrendo-se uma travessia demarcada por um ambiente em que o destinatário das provas produzidas já possui juízo de mérito pré-concebido. A parcialidade, nessa ótica, também se materializa pela subversão das fases processuais, antecipando-se a valoração à produção da prova. Não se ignora, destarte, a relevância do instituto, de aplicação vocacionada ao sistema judiciário, visto que essas considerações não podem ser simplesmente transportadas ao plano de processos políticojurídicos.
Com o propósito de diferenciar processo político e processo jurídico, segue o ministro Fachin:
Primeiro, pelo fato de que, por opção constitucional, determinadas infrações sujeitam-se a processamento e a julgamento em território político, em que os atores ocupam seus postos com supedâneo em prévias agendas e escolhas dessa natureza. Sendo assim, soa natural que a maioria dos agentes políticos ou figuram como adversários do Presidente da República ou comungam de suas compreensões ideológico-políticas.
A imparcialidade não constitui característica marcante do Parlamento
A propósito, essa compreensão, se levada a extremo, poderia conduzir à inexistência de agentes políticos aptos a proferir julgamento. Por exemplo, as inclinações de agentes governistas e oposicionistas, mormente na hipótese de manifestações públicas, dando conta da predisposição decisória, induziriam ao reconhecimento da parcialidade? Como exigir, num julgamento de conteúdo também político, impessoalidade, por exemplo, das lideranças do governo e da oposição?
No documento judicial, o magistrado ressalta que exigir aplicação fria das regras de julgamento significaria, em verdade, converter o julgamento jurídico-político em exclusivamente jurídico, o que não se coaduna com a intenção constitucional. “A imparcialidade não constitui característica marcante do Parlamento”, anotou com espeque no entendimento de Fachin.
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De acordo com o magistrado, descabe o argumento de que o julgamento realizado pela Câmara Municipal é viciado porque tendencioso, porque violador da imparcialidade que se exige do julgador, uma vez que a decisão proferida em processos políticos de julgamento não segue a mesma lógica dos processos de julgamento eminentemente técnico-jurídico.
Ausência de provas contra Valdecy e Audison
Petengill avaliou como bem lançada a manifestação do Promotor de Justiça Aldo Kawamura Almeida no ponto em que observa a ausência de provas robustas da vinculação dos Vereadores Valdecy Vieira e Audison da Silva Lima, com o autor das denúncias (Paulo Rafael Fernandes) que foram recebidas e processadas na Comissão Parlamentar mas decididas pelo Plenário da Casa de Leis.
Áudio e Ata Notarial: provas que não provam nada
Já prestes a concluir sua decisão, Petengill observa que “o espaço de tempo em que a pessoa que teria denunciado as viciosas atitudes dos edis, Francisco Francelino Vieira (vulgo ‘Chicão’), registrou os fatos em ata notarial (09/06/2020) e a data da sessão legislativa que resultou na cassação do mandato (25/06/2020), sem que houvesse nenhum registro de oposição de tais matérias no âmbito legislativo, parece-me correto concluir que a “forte probabilidade” do direito alegado pelo autor não se faz presente”, escreveu ele
Ao rechaçar todos os argumentos apresentados pela defesa de Jonas Canarinho, o magistrado sentenciou: “INDEFIRO o pedido de tutela de urgência formulado pelo autor, à mingua de plausibilidade do direito invocado”
A decisão é do dia 04 de setembro e cabe recurso ao TJMT