EDÉSIO ADORNO
Em um breve relato de despedida, o ator Flavio Migliaccio escreveu: “Me desculpem, mas não deu mais. A velhice neste país é o caos como tudo agora. A humanidade não deu certo. Eu tive a impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este. E com este tipo de gente que acabei encontrando. Cuidem das crianças de hoje!”
Como interpretar essa dura manifestação? Para entender o sentimento de frustração do ator global não é preciso fazer nenhum grande esforço intelectual. A realidade do idoso no Brasil é visível a olho nu. Excluído do mercado de trabalho, desprezado pela família, ignorado pela sociedade e castigado pelos governos, o idoso se torna invisível, incomodo, inútil e desnecessário. Na ‘melhor idade’, o viver é uma quimera.
Nunca vamos conseguir mergulhar no amago de Flavio Migliaccio para entender suas razões para pedir a antecipação da última viagem. As pistas, no entanto, estão aí. Ele pediu desculpas pelo ato extremo, mas entendia que “não dava mais”. Que o manifesto de Flavio não sirva de estimulo para atitudes semelhantes. A utilidade dessa carta está na defesa da vida. “Cuidem das crianças de hoje”.
O problema é que as crianças de hoje serão os idosos do futuro. Que os idosos do futuro tenham o respeito que falta aos idosos da atualidade. Acho que essa foi a mensagem de Flavio, que deixou o tablado para entrar para a história.